domingo, 20 de dezembro de 2015

SONHE

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  “Nós temos sonhos; não é talvez toda a vida um sonho? Mais precisamente: existe um critério seguro para distinguir sonho e realidade, fantasmas e objetos reais?”                .
                                                                                         Schopenhauer                              .
                                                                                         



  S. Freire
 Embora acordado, com o que não se sustenta nem mesmo nos contos de fadas. Em ver no espelho uma imagem que te agrade, mesmo que não reflita a realidade.  Em ver só beleza num dia de chuva. Em conviver com o quê e quem te faz feliz. E, transforme em sonho mau a realidade, por vezes tão absurdamente chocante, que anestesia os sentidos para a sua aceitação.

 A vida, por não ser programada, é incoerente. A fantasia, não. Um dia de chuva pode remeter a momentos inesquecíveis guardados no baú da memória. Um dia frio pode ser o melhor amigo para compartilhar uma xícara de algo quente, assistindo a um belo filme.

Torna-te uma ótima companhia para ti mesmo. Faça concessões.  Ninguém é perfeito, nem tu. Deixa o passado aonde estiver, ele não vai mudar. Não vás ao futuro, não és adivinho. Sobretudo não permitas que o presente passe sem que estejas lá. Não sejas tão severo contigo. Lembra que há coisas que para uns não têm valor e para outros, são preciosas. Pessoas também.

Todo conto de fadas termina em “E foram felizes para sempre”. O “Sempre” nunca é mostrado. Quando existe, é na imaginação de quem lê. Solta a tua. Constrói um mundo feliz. Ele te ajudará a suportar o que há de mau neste.

 Flaubert, em Madame Bovary, descreve “... era um sentimento puro que não trazia embaraços ao andamento da vida, cultivado por ser raro e sua perda traria mais sofrimento, do que sua realização, felicidade”. Esta descrição de um sentimento é um mergulho na fantasia. Deixa claro que a felicidade pode estar na abstração de uma realidade duvidosa.

Afinal, se realmente não houver uma fronteira entre sonho e realidade, podemos escolher de que lado ficar. Se a escolha for para o sonho, mesmo que configure insanidade para os padrões estabelecidos, como chamar a opção de continuar vivendo no lado chamado “realidade”? 

sábado, 19 de dezembro de 2015

LEMBRANÇAS

“Reminiscências fazem alguém sentir-se deliciosamente maduro e triste.”
                                                Carlos Drummond de Andrade                                                                                                                                                               

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Sandra Freire
Quando se organiza um armário, um quarto ou a vida, coisas ficam e coisas vão. A seleção se dá na medida da necessidade de cada um. Existe um tempo de validade para tudo na vida, até um tempo de vida. O que não pode mais ser restaurado, o que traz más lembranças, deve ir. O que ainda puder contribuir para iluminar a penumbra da desesperança deve ser colocado em lugar de destaque, como uma janela aberta para um mar azul.

Organizar lembranças como se fosse um arquivo. Jogar fora tudo que for ruim. Dar novas cores ao que já está desbotado. Colocá-las na ordem de importância para que possam ser revistas de acordo com o momento vivido. E, por que não, inserir belos momentos desejados e não vividos?

Segundo Leonard Mlodinow em seu livro “Subliminar”, coleciona-se ao longo da vida memórias criadas. As más devem ser descartadas. As boas, vão para o arquivo. Não há porque cobrar autenticidade de algo bom e aceitar sem restrições, algo ruim.

As lembranças tendem a sair de ordem quando a solidão aparece. Para suportá-la, só uma que faça companhia. O perigo é ela trazer junto a saudade. Aí, é estar com alguém e ter ninguém. Solidão acompanhada é a pior forma de vazio que se pode experimentar.

É preciso saber lidar com as lembranças. As felizes – por estarem já perdidas -, doem. As tristes despertam nostalgia. As más, certo alívio por ser uma dor já vivida - algo como uma dívida já paga.

O tempo é elástico. Há momentos em que algumas lembranças são tão nítidas, que se tornam presentes. O tato é o principal sentido aguçado para isso. Ele sozinho imprime realidade à cena. As imagens se unem em torno desse momento. É o tempo que deixa de existir.

Ah... Lembrar e se deixar levar. Ver, com os olhos da alma.
 “Longe é um lugar que não existe”.
                                        Richard Bach


terça-feira, 24 de novembro de 2015

PARIS É UMA FESTA

Publicado no JG Jornal de Gramado em 24 nov 2015

      
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Sandra Freire
Cidade que habita os sonhos da maioria que deseja viajar. A cidade-luz tem feito brilhar a imaginação daqueles ligados às artes em todos os níveis, nativos ou não. Um clima de encantamento envolve tanto habitantes quanto visitantes. Seus cafés, cabarés, teatros, museus, cemitério, guardam a energia daqueles que a fizeram desejada por amantes, poetas, cineastas. Por possuir luz própria, sobreviveu a muitos infortúnios. Falar sobre Paris é escrever um livro com início e sem fim.

Um lugar onde dias e noites oferecem um passeio pelo imaginário. As imagens difundidas pelos incontáveis filmes que esquadrinharam as ruas irregulares de seus 20 arrondissements - o nome sugere a forma -, fizeram Paris íntima até dos que nunca lá estiveram. Uma das melhores maneiras de se conhecer Paris é perder-se e se deixar achar por uma praça, um caminho de castanheiras, um museu, jardins bucólicos, ruelas com casas antigas e janelas floridas, boulangeries com a inigualável pâtisserie francesa.

As Catacumbas, Arena de Lutèce, catedrais, igrejas, palácios, pontes sobre o Sena, são dignos não só de contemplação, mas de um mergulho na Belle Époque, - cantada em prosa e verso - quando charretes inundavam o Bois de Boulogne, deixando ao vento echarpes e plumas das damas nas tardes de primavera e verão. Tudo era festa e beleza nesse curto período – cerca de 40 anos -, onde surgiram invenções como a lâmpada, o cinema, o automóvel, o avião, entre outras, como prêmio a uma paz que o homem não tem sabido cultivar.

A Belle Époque precedeu a primeira Guerra Mundial.

A capacidade do ser humano em superar más experiências, - sem, no entanto, aprender com elas -, tem feito com que se repitam, e surpreendam da mesma forma que as anteriores.


Após a Primeira Guerra Mundial, uma mudança no comportamento feminino alterou de forma significativa a vida da cidade. A mulher, mais liberada pelos efeitos nefastos da guerra, que deixou viúvas e mães uma infinidade de mulheres muito jovens sem sustento. Essa mulher foi lançada ao mercado de trabalho e à busca de satisfação pessoal a fim de, não só sobreviver, mas também de superar o trauma pelas perdas sofridas.

Após a Segunda Guerra, o glamour ressurgia. À época, eternizou-se o vestidinho godê, de cintura apertada e grande decote em bleu-blanc-rouge – o imortal azul, branco e vermelho da bandeira francesa, proibido durante a Segunda Guerra, onde cerca de 92 ateliers permaneceram abertos em Paris, como símbolo da irreverência do encanto francês à impermeabilidade da opressão alemã.

Em 1995, um atentado com bomba no metrô parisiense, entre as estações de Châtelet e Saint Michel, na Rive Gauche, deixou quatro mortos. A insegurança que se seguiu, alterou a vida da cidade-luz. O medo foi sendo absorvido pelo cotidiano. Passou.

Paris se recuperou e vai se recuperar mais uma vez. O sonho continua no ar. As belas imagens, mais uma vez, sobrepor-se-ão às más.

 Se, é conhecer Paris e depois morrer, melhor que não seja lá.


domingo, 27 de setembro de 2015

MEDOS

=Publicado no JG Jornal de Gramado em 18/08/2015

“Evitar a felicidade com medo de que ela acabe, é o melhor meio de se tornar infeliz.”
                                                                                                                                      Albert Einstein
Sandra Freire
O medo é paralisante. Surge nos momentos decisivos e estraga tudo. Impede de errar, mas também de acertar. De tentar, de saber, de ir, prosseguir. Sufoca sentimentos, anula emoções. É um meio bastante eficaz de gerar sofrimento.  Impede de tirar o pé do poleiro antes de prender o bico noutro apoio, como fazem os papagaios. É um envelope fechado que guarda um resultado que pode ser tão ruim que, com medo de abri-lo, perde-se a chance de ter algo bom.

Nosso contato com o medo é diário. Sentimos mais medo do que prazer ao longo da vida. Quando crianças, aprendemos a ter medo de injeção, dentista e tantas outras coisas que teremos de encarar pela vida afora. Temos medo de perder pessoas que amamos. O medo de não sermos correspondidos não nos permite amar o outro sem reservas. De perder o emprego. De não passar numa prova qualquer. De não sermos bem aceitos no meio.

Ao invés de vivermos com medo de errar, é no mínimo menos triste viver tentando acertar. Muitas vezes, com medo da perda, evitamos a posse.
Só que, viver com medo de que algo ruim possa acontecer, não impede que aconteça. Mas antecipa um sofrimento que poderia ser adiado. Ou, se não acontecer, nos deixará sempre na espera. É o sofrimento se sobrepondo à felicidade.

Temos muito medo de nós mesmos. De termos de encarar nossas próprias deficiências. De não sermos aos nossos olhos o que tentamos parecer aos olhos dos demais. Temos sobretudo medo de não conseguirmos “nos” enganar. Podemos tentar e até conseguir, enganar os outros. São infinitos os recursos para tal. Mas, na hora de despir a “fantasia”, só nós defrontamos a cruel realidade.

 Criamos mecanismos de defesa como o preconceito, que mantém afastado o que pode nos envolver; vícios, para substituir os prazeres não ousados; hábitos, que ajudam a preencher o tempo que, sobrando, pode levar a reflexões. Não mudamos o caminho com medo de não encontrar o de volta ao quê consideramos seguro, caso seja necessário. Que bom seria correr riscos cobertos de segurança. Seria...

Temos medo do desconhecido. Mudamos os móveis de lugar para não mudar de lugar. Somos nossos próprios algozes. Matamos nossas ilusões. Mas, elas são necessárias à vida. Condenamos-nos antes de sermos julgados. Não nos permitimos saber o que pensam a nosso respeito. Pré-julgamos com a leitura de olhares. Fugimos da guerra, mesmo em tempos de paz.  
O medo de sofrer esmaece a alegria de viver. O medo de não sermos amados não nos permite viver a beleza de amar.

Apenas Pablo Neruda exporia melhor esse medo:


“Morre lentamente quem evita uma paixão,
quem prefere o "preto no branco"
e os "pontos nos is" a um turbilhão de emoções indomáveis,
justamente as que resgatam brilho nos olhos,
sorrisos e soluços, coração aos tropeços, sentimentos.”

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

A PESTE

Ratos invadem a Fontana Di Trevi
Publicado no JG Jornal de Gramado em 7/7/2015

“...quem não aprende dos erros do passado está fadado a repeti-los.”
   Revoluções do Século 20.



Sandra Freire
Recentemente o vírus Ebola mostrou mais uma vez sua face. Vem fazendo isso há cerca de 30 anos. O vírus HIV foi isolado há cerca de 31anos. Desde então, ataques terroristas, queda de aviões, o “11 de setembro”, mortes d
e celebridades, têm causado comoção e ocupado a Mídia por vários dias após os acontecidos. Sem falar nos eventos selvagens, ligados às torcidas de futebol. A esses males, acrescentam-se outros igualmente ou até mais virulentos, assemelhando-se a uma teia que lentamente ameaça fechar-se em torno de cegos, surdos e mudos.

O Ebola só vem aumentando o número de vítimas. Na última epidemia, que atingiu ferozmente três países africanos – nos demais atingidos, fez bem menos, porém lamentáveis, vítimas -, deixou, até dezembro de 2014, o número alarmante de 7.693 mortos. Alguns voluntários, de outros países, também foram vitimados por ele. Todos os nomes de estrangeiros foram amplamente divulgados. Resta saber se alguma vítima africana tinha nome.
O HIV, no início, tido como “coisa de homossexual”, também causou  um estrago considerável. Só que, o preconceito que ainda cerca o mal, impede de se saber ao certo quantos, na realidade, foram levados por ele. Talvez a melhor campanha contra o vírus, seja a divulgação das pessoas conhecidas que contraíram a doença. Para o bem e para o mal, visto que, para se vender mais produtos, são usadas celebridades para propagandeá-los.
Podíamos falar de outros males, - no nosso próprio quintal - como a Dengue, que também vem lançando sua malignidade de forma a tirar o sono de quem tem consciência, inclusive com o Aedis – mosquito transmissor – multiplicando seus poderes e inoculando mais dois vírus, menos letais, porém trazendo aos atingidos um desconforto terrível. E mais e mais doenças endêmicas, reincidentes ou recorrentes, mas sempre presentes nas comunidades carentes e algumas se espalhando nas áreas ditas mais nobres.
Inúmeros são os males. E, as causas? E, as providências?
Em 1947, Albert Camus – Nobel de Literatura em 1957-, lançou “A Peste”. No livro, ele alerta para muito mais do que a epidemia em si. Chama a atenção para o descaso, a negativa das autoridades, o comportamento egoísta de uns, o solidário de outros etc. E termina com a falta de memória recente – como se fosse um veda-luz -, da população que se recusa a ver que o mesmo perigo os ronda outra vez.
Todos esses alertas presentes no livro de Camus seriam muito bem aplicados hoje. A cada reincidência de uma doença, - algumas consideradas erradicadas - aumenta o número de vítimas.
O que será realmente “A Peste”?


quarta-feira, 22 de julho de 2015

GERAÇÕES

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Publicado no JG- Jornal de Gramado em 03/07/2015

“Vista pelos jovens, a vida é um futuro infinitamente longo; vista pelos velhos, um passado muito breve.”
                                  Arthur Schopenhauer 

                                            






Sandra Freire
A conexão entre as gerações nunca foi um lago de águas plácidas. Apesar de as lembranças remotas serem as mais fiéis em nossa memória, a tendência é considerar os fatos atuais mais contundentes. Algo parecido com a dor. A que passou é sempre mais branda do que a atual. As gerações vão se sucedendo como as imagens num espelho. Enquanto nos vamos afastando dele, -e ficando cada vez menores- nossos filhos vão se aproximando e ficando maiores.

A grande diferença é que, antes éramos os protagonistas e agora, coadjuvantes.

Nós, protagonistas, nossos pais, coadjuvantes. Na pré-adolescência, portas trancadas, segredos trocados com os amigos, sensações estranhas, descobertas. Curiosidade.
Na adolescência e início da fase adulta, “descobrimos” que sabemos muito mais do que nossos pais. O tempo deles não estava com nada. Nem dá para discutir!

Nós adultos, eles velhinhos. Temos de estar atentos senão... Fazem bobagens, é claro. Assumem compromissos que não poderão cumprir, pagam mais pelo que não vale, vão a lugares que podem ser perigosos, fazem amizade com pessoas que não têm referências e nem sabem se são confiáveis. Preocupam-se muito com os filhos, mas não percebem o quanto são frágeis.

Nosso(s) filhos(s) chegando. Seres indefesos. Precisam de assistência o tempo todo. Não sobreviveriam sem nós. É de nossa responsabilidade prover uma infância saudável, carinho, compreensão, companheirismo etc. Quando pequenos, somos o modelo ideal. Querem ser iguais a nós, seus heróis.

Na adolescência, ficam um tanto distantes de nós.  As confidências vão rareando. Preferem mais a companhia dos amigos do que a nossa. Nossos gostos vão se distanciando, mesmo que nos esforcemos por partilhar seus filmes, músicas etc.

Agora, adultos, têm seus próprios interesses. Sua programação não nos inclui. Vigiam-nos veladamente, como se não percebêssemos.

Aí, chegam os netos, filhos de nossos filhos... e a história, mais uma vez, se repete.

Segundo o psiquiatra Flavio Gikovate, o adolescente e o velho passam por um problema bastante semelhante. Os adolescentes, com o desenvolvimento do corpo que não é acompanhado pela cabeça, que permanece infantil mais tempo. O velho, que mantém a cabeça jovem enquanto o corpo envelhece. É comum se ouvir “Não me sinto com a idade que tenho”. Não sente, mas vê.

 Os dois têm razões mais do que suficientes para sofrer.

É fato que, quando o jovem alcançar a idade dos pais vai entender bem o que eles estão passando agora.

Acontece que seus filhos só os entenderão quando chegarem à idade deles agora.


Apesar de ser previsível, pois se repete, repete e repete, o final é sempre surpreendente para os atores. Quando o filme termina, as luzes se acendem. Mas logo se apagam e começa uma nova seção.

quinta-feira, 9 de julho de 2015

FELICIDADE

Publicado no JG-Jornal de Gramado em 23/06/2015

“Não espere por uma crise para descobrir o que é importante em sua vida.”
                                                                                                           Platão

Sandra Freire
Para ser feliz, basta saber coletar corretamente as gotas de felicidade que a vida, diariamente, nos dá. A noção de felicidade talvez seja equivocada, pois só a reconhecemos quando traz em si a promessa de ser eterna, mesmo quando sabemos que talvez não o seja. O que vem aos poucos, entremeado com coisas outras, que nem sempre são boas, costuma passar despercebido. As pequenas “felicidades”, não vêm de traje à rigor.

É comum sentir-se feliz com a realização de um desejo, como um carro novo, uma viagem, um trabalho gratificante e bem gratificado. Poder cuidar bem de si mesmo. Olhar no espelho e ver uma imagem que agrada a si e aos demais. . Não se considera felicidade estar apto a comer sozinho e poder ouvir o barulho da chuva.

Não é comum sentir-se feliz em poder caminhar, pegar o ônibus, ter um trabalho que permita viver com simplicidade e ser saudável a ponto de poder lutar por alcançar meios de realizar os próprios sonhos.

 É fácil ser feliz quando nasce um filho desejado. Difícil, é ser feliz quando ele não corresponde às expectativas que foram postas nele. Queremos um filho para realizar “nossos” desejos. Não somos felizes quando ele (a) realiza seus próprios desejos, quando conflitantes com os nossos.

Geralmente reconhecemos a infelicidade na perda de um ente querido. Só não nos damos conta de que, tê-lo tido não nos fez tão felizes, quanto a sua perda, infelizes. Bastava saber que o ente estava por ali, que ainda vivia. Aquela existência não nos enchia de felicidade. Mas, por que a ausência nos enche de infelicidade? Quem sabe, somos mais felizes na infelicidade? Vê-se a tristeza na face de alguém, mas não se vê alegria com a mesma frequência. Quando não denotamos tristeza, nem alegria, denotamos o quê?

Só experimentamos a alegria num silêncio, quando ele sucede um barulho insuportável. Só damos o devido valor a alguma coisa, por mais simples que seja, quando ela nos falta. Para Platão, não se pode desejar aquilo que já se possui. A falta, desejo ou perda, traz consigo certo alvoroço. A posse, mesmo de algo importante, lentamente vai caindo na indiferença. Dito já bastante conhecido “O desejo é tudo, a posse é nada”.

Quando se organiza uma viagem, o projeto, quanto mais demorado, mais prazeroso. Chegamos a nos imaginar nos lugares a serem visitados. Fazemos um verdadeiro enxoval, muitas vezes, sem refletir que se pode adquirir muito do que necessitamos, durante o percurso. A mala de ida, não raro, vai cheia do que voltará sem uso. Durante a viagem, imprevistos podem ocorrer. Alguns facilmente contornáveis e outros, nem sempre. Nada disso importa, pois na volta, só as coisas boas são contabilizadas. As ruins tendem a ser amenizadas.


A felicidade está num passado relembrado. Num futuro planejado. Nunca no presente sem glamour.

terça-feira, 30 de junho de 2015

O TREM

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“Se nós pudéssemos vender nossas experiências pelo que elas nos custaram, seríamos todos milionários.”

     Abigail Van Buren                           





Sandra Freire
O que nos acontece é de nossa responsabilidade, pura e simples. Mesmo assim, teimamos em culpar o(s) outro(s). É mais fácil aceitar que, SE não fosse... SE, a situação tivesse permitido...  SE, desse para imaginar... Ele (a) precisava tanto de mim naquele momento! Eu não podia pensar SÓ em mim, blá, blá, blá... Mesmo com o calor da convivência diminuindo, nosso olhar se perdendo em reflexões inconfessáveis, insistimos em não chutar a bola que está aos nossos pés.

Até que, um dia qualquer, quando o trem com os nossos sonhos faz a curva no infinito, o “outro”, sem SE, lhe comunica que está indo. E, como ninguém sai com a mesma simplicidade com que entrou, inclui uns poucos e frágeis argumentos. Desnecessários por sinal. Simples palavras ao vento.

Quando alguém anuncia que está indo, é porque, na verdade, já foi. Não vimos. Não quisemos ver.
 É como uma casa que vai se esvaziando gradativamente. Tira-se primeiro o que é mais antigo e está fora de uso, como as confidências. Depois, o que se está usando menos, como a alegria da intimidade. A seguir, os objetos excedentes, como a ansiedade pelo reencontro diário. Mas, quando o coração não mais se acelera, é porque todos os móveis já se foram e só o eco do arrependimento nos faz companhia.

Mas, estava tudo lá. Os dependentes crescendo e se tornando autônomos. Seres únicos, como todos, soltando as amarras e seguindo seu próprio caminho. A convivência com o(s) outro(s), cada vez mais burocrática. Assuntos gerais, comentários sobre o dia de cada um, obrigações cumpridas- leia-se cinema, teatro, amigos, casamentos, jantar fora etc. Com o tempero da indiferença, o corpo presente, a cabeça ausente.

E, nosso trem passando. Deslizando suavemente nos trilhos, sem barulho, levando consigo uma carga tão preciosa que, guardada no seu interior de aço, só pode ser liberada com a chave da consciência que nosso egocentrismo não nos permite ver. Que não somos tão importantes assim. Que, quando nos formos, a roda que faz o mundo girar, não perderá um único dente e cada um seguirá seu próprio destino.

Então, nos deparamos com os trilhos vazios, refletindo a luz dos sonhos que se distanciam e ameaçam desaparecer num lugar qualquer, aonde a esperança não mais alcança. Só a fumaça fazendo a ligação entre nós.

Para que um novo final seja escrito, precisamos tão somente não permanecer parados na plataforma. Temos de alcançar o estribo do trem que passa, adentrá-lo - mesmo em movimento –e seguir viagem. Não importa aonde ele vai, ele É o nosso trem. Seu destino é onde queremos chegar.
Para isso, o que vale, mais que tudo, é chegar ao fim da viagem com tempo suficiente para desfrutar o que nos aguarda.
Pois...
Também nós, na hora já marcada – desde quando chegamos -, como tantos que já se foram, com o passar do tempo, seremos apenas uma lembrança que, aos poucos, se apagará. 


domingo, 7 de junho de 2015

ESTAR SÓ SER SÓ

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“Ambos eram conscientes de serem tão diferentes, que nunca se sentiam tão sós do que quando estavam juntos.”
                                 Gabriel Garcia Marquez
S. Freire
Os limites da solidão são móveis. Nem sempre estar só, passa essa sensação. Nem sempre ser só, não passa. Estar só, vez ou outra, é necessário. Ser só... Pior de tudo, é ser só, quando  acompanhado. Estar só transparece. Pode ser um estado transitório, pode durar para sempre, mas concede o benefício da dúvida. Ser só é um estado da alma de cada um. Não dá satisfações a ninguém.

Nada errado em desejar estar só durante uma união. Seres diferentes podem se complementar, parasitar ou simplesmente coexistir, sem que nada disso represente prejuízos aos pares. Essa dita fusão de dois seres, seria uma descaracterização dos dois. Todos nós temos a necessidade de estar sós de vez em quando. De exercer nossa individualidade nos mínimos detalhes, como dormir sozinhos, ficar calados, deixar o pensamento livre para pousar ao acaso, onde lhe aprouver.

O X da questão é fazer. Atreva-se a dizer que quer dormir só, mesmo esporadicamente. Que gostaria de passar um fim de semana consigo mesmo (a). Se Permita longos silêncios, para que o pensamento vagueie aleatoriamente. Aí, você terá o mais perfeito roteiro para uma tragédia conjugal. No mínimo, um ar de desconfiança tão denso, que faria inveja a teto de aeroporto fechado para pouso da aceitação da sua privacidade e decolagem de uma coexistência baseada numa confiança que prescinde da presença física.

Algumas atividades proporcionam a um dos pares a oportunidade de se ausentar por períodos variáveis. São uniões duradouras em geral. Esse é um tempo que serve para refrigerar a relação. Tipo parágrafo num texto longo. Cada um cuida de si mesmo. Sente ou não, saudades do outro. Está só. Mas, se sente só?

A intimidade de um casal costuma ultrapassar os limites do “nós” e adentrar o “eu” do outro. Portas de banheiro são abertas, cabeças são ameaçadas de invasão ao mesmo tempo em que olhos são perscrutados em busca de contradição: “está pensando em quê (quem)”? Celulares são inspecionados, papéis lidos, cartões de crédito xeretados, roupas cheiradas etc.
 Ah, não! Tem certeza?

Tudo isso pode ser rotulado de ciúmes, insegurança, amor, preocupação com o outro e mais e mais. Também pode traduzir simplesmente a vontade de não ficar só. Há muito o “Antes só do que mal acompanhado”, foi substituído pelo “Antes mal acompanhado do que só”.


Resumo, estar só pode ser uma escolha. Ser só, uma contingência. 

terça-feira, 19 de maio de 2015

CASAMENTO ABERTO


(Publicado no JG, Jornal de Gramado, em 14/05/2015)

“O homem não morre quando deixa de viver, mas sim quando deixa de amar.”
                                                                                                                Charlie Chaplin

Por Sandra Freire
Mais uma vez, volta à baila esse tema. Desde Sartre e Simone, várias investidas para fazer valer essa teoria, têm sido feitas por casais mundo afora. A ideia, sedutora sem dúvida, tem como principal objetivo, domar o monstro ameaçador de uniões que adotam um modelo tradicional, tipo “Felizes para sempre”. Ilusório ou não, pessoas em variadas fases da vida estão se lançando nessa nova experiência. Mas, cuidado. Os exemplos famosos não foram tão felizes, fora que, apesar de artistas e intelectuais, deixaram expostas suas raízes mundanas.

Amores Modernos, recentemente lançado, o livro de Daniel Bullen volta a mexer em vespeiro. Não podemos nos iludir e pensar que o comportamento libertino adotado por alguns casais de um círculo tão fechado quanto o de intelectuais, seria aceito sem reservas na nossa sociedade.

O modelo casamento indissolúvel, de vez em quando é ameaçado por tentativas de alterações dos seus dogmas. Algumas inserções são feitas e “aceitas” sem problemas. O futebol semanal, o chopp com os amigos e as reuniões fora do horário comercial, já fazem parte do cardápio de alguns. São conquistas tão fortemente incorporadas à convivência de um casal, quanto a dor de cabeça das mulheres.

Há de se considerar que em tempos de crise, a tendência é mais para manter a união, do que para a dissolução, mesmo que esse ponto não seja exatamente a questão de um determinado par.

Portanto, a moda do casamento aberto, por pouco que seja, pode trazer um refrigério à cela que se fechou com a feliz união e ameaça sufocar os que lá estão. Mais liberdade para as borboletas. Dias de saída combinadíssimos. Tudo em nome da harmonia em torno da família constituída.

Talvez essa seja uma solução mais honesta até para que reflexões sobre a vida a dois possam substituir a inútil e mofada “Discutir a relação”.

Na infância, somos monitorados por tempo integral. Na adolescência, ansiamos por ter mais liberdade, o que leva o adolescente a curtir menos essa fase e desejar alcançar logo a idade adulta. Na fase adulta, nos “amarramos” a outra pessoa. Ou seja, desejamos ter liberdade e quando a alcançamos, tornamos a abrir mão dela- muitas vezes sem convicção.

 A aceitação de regras impostas a uma feliz união embota o bom senso dos pares. Os dois passam a ter certeza de que são indispensáveis para a sobrevivência emocional do outro. O filme “Vida de Casado” aborda a questão com muita sensibilidade.

Melhor seria convidar o bom senso ao debate. O fato de termos representado muito para alguém, não acarreta um compromisso vitalício. Quando isso é encarado com honestidade, surge a oportunidade para que os dois encontrem um novo caminho.

Cada casal é único. Não há regra que se aplique a todos. Uns são felizes dizendo que são. Outros são felizes, mesmo sem dizer.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

A TERCEIRA PESSOA




“Existe um lugar onde ninguém pode tirar você de mim. Este lugar chama-se Pensamento... e nele, você me pertence!!”
                                                   Charles Chaplin


Sandra Freire
Quando inadvertidamente somos atraídos por alguém, imediatamente colocamos essa pessoa, como um croqui, numa tela e a transformamos no nosso ser ideal. Se, entre a atração e a realidade houver tempo para os retoques finais, nosso trabalho terá operado a mágica de transformar um trabalho acadêmico, sem grandes pretensões, numa obra-prima.
Terá surgido a “terceira pessoa”. E, só entre você e ela pode se estabelecer uma conexão.
É assustador pensar que podemos estar fazendo parte da vida de outra (s) pessoa (s). Assim, sem licença. Aquele que nos aprisiona em seus sonhos decide o nosso destino. Pode nos conduzir a qualquer lugar. Pode decidir se somos felizes ou não. Pode nos emprestar outra identidade e até outra aparência. Quando habitamos os sonhos de alguém, perdemos o controle de nós mesmos.
Podemos estar vivendo outra vida, como os personagens de uma trama. Essa outra realidade pode estar se passando num outro plano. Há todo um contexto que faz com que esse outro cotidiano seja parecido com o real. Emoções são experimentadas, situações são vividas, outras pessoas compõem a cena. Nossa personalidade é adaptada aos desejos daquele que nos aprisiona.
Tudo isso pode parecer irreal, até que nosso tutor se revele. Tomar conhecimento de que realmente temos estado noutra cena, paralela a real, desperta curiosidade e vontade de “entrar no jogo”. Jogo cujas peças moldadas pela imaginação de outrem, pode se configurar de forma indesejada. A imaginação não tem limites e não corre riscos. Difícil, muito difícil, é deixar esse mundo paralelo na sua dimensão. Visitá-lo, vivenciar seu cotidiano, se comprazer. Depois, simplesmente fechar a porta e voltar à realidade.

Realidade essa que tem de oferecer elementos sedutores capazes de competir com o outro mundo. 

quinta-feira, 16 de abril de 2015

VIVER

 
 




“O que importa afinal, viver ou saber que se está vivendo?”
                                                                       Clarice Lispector

Sandra Freire
Para transformar o sobreviver em viver é preciso coragem, força, desejo. Não mentir para si mesmo. Olhar para dentro da própria alma sem reservas. Responder com honestidade se está acordando para mais um dia ou menos um dia. É preciso coragem para reinventar o presente antes que ele se torne passado. Afinal, esse disco não vai tocar outra vez.

Se viver é preciso, que seja da melhor maneira possível. Vamos reeditar a alegria, os amigos, os bons lugares. As mágoas passadas devem ser deixadas no passado, pois, se relembradas, ganham mais uma batalha. As lembranças que devem vir à tona são as de bons momentos. Boas lembranças quando empilhadas sobre as más, tendem a dominar, desvanecendo o que deve ser esquecido.

Superar deficiências ainda que remanescentes e não transformá-las em barreiras, requer equilíbrio e bom senso. O que é importantíssimo para uns, pode não ter o mesmo peso para outros. Nada, por pior que se configure, deve bloquear o caminho.

Devemos deixar o passado em paz, limpar o coração usando a cabeça, acalmar a alma cobradora do que poderia ter sido e não foi. Depor as armas e voltar o olhar teimoso para o que está nos acenando e conceder uma chance ao quê, pacientemente, nos aguarda. Ao invés de olhar para frente na roda de Belmiro Braga, olhar para trás.

Segundo Charles Chaplin, o homem não morre quando deixa de viver, mas sim quando deixa de amar. A espera, que faz contraponto com a inquietude, é sustentada pelo inconformismo do tempo perdido sem luta.

O sobrevivente junta seus cacos, os cola e se deixa levar pela vida.
O que escolhe viver, junta seus cacos e constrói um novo ser. Reflete no olhar a certeza de estar mais forte. Não cede ao inconformismo e cobra da vida o troco em felicidade, do que foi pago a mais em sofrimento.
 


 

 

 
 
 
 
 
 
 


 


 
 

domingo, 29 de março de 2015

SOBREVIVER OU VIVER




 

Imagem do Google
 
“... sofrimento é a única promessa que a vida sempre cumpre.”
                                  Do filme: Muito Além de Rangun.
 
Sandra Freire
A adversidade é implacável. Ela nos alcança num momento qualquer da vida. Testa nossos limites. Nos leva às profundezas do desespero e, se resistimos e voltamos à tona, – não raro – nos golpeia uma segunda vez. Então, somos deixados agonizantes, com a alma esfarrapada. E, perdidos na escuridão que nos cerca, a esperança de encontrar um alento para prosseguir importa tanto quanto o NADA.
 
É a miséria emocional.
 
Quando somos atingidos em cheio pela adversidade, a primeira sensação que nos vem é a de incredulidade. Não conseguimos aquilatar o que está ocorrendo. È como levitar. As imagens perdem a nitidez. Os pensamentos se embaralham. A noção de realidade se afasta e parece que sonhamos. Cada um de nós tem seu tempo para retornar ao mundo real. Aí, começa o sofrimento.
 
Vem a dúvida sobre continuar ou não. O nosso lado covarde busca uma saída para escapar ao que domina todos os nossos sentidos e nos rouba a fome, o sono, o interesse por tudo a nossa volta. Sair do desconforto da cama para mais um dia, chega às raias do insuportável.
 
O tempo passa. Estamos sobrevivendo.
 
Sobreviver se aplica a períodos especialmente sofridos. Períodos esses, que devem ser superados para que se permita seguir em frente e amainar a dor que, vez ou outra, mareja nossos olhos, turvando a visão que insiste em buscar dias melhores. O estrago causado pela adversidade deve ser reparado com desvelo e consciência de que marcas profundas não desaparecem.
 
Mas... Continuar é preciso. Porém, aquele que sobrevive, não vive.
 
Somos capazes de superar perdas, separações, males inesperados. Só não somos capazes de recuperar a fé em nós mesmos. Saímos tão fragilizados das grandes dores, que nos tornamos incapazes de apreender sinceras demonstrações de bem-querer. Fechamos as portas do nosso ser a toda e qualquer luz exterior que possa indicar algo bom. Simplesmente nos agarramos à vida, sem aceitar que sem morrer de dor, não é possível reviver.
 
 


quarta-feira, 18 de março de 2015

SOU O QUE SOU, DO MEU JEITO, SEM DESCULPAS



Momix - Grupo de Dançarinos Ilusionistas







“O único meio de fortalecer o intelecto é não ter uma opinião rígida sobre nada – deixar a mente ser uma estrada aberta a todos os pensamentos.”
     John Keats


Sandra freire                                                           
O ser humano quando é tirado brutalmente do doce aconchego, proteção e calor do útero, começa a sofrer. É trazido através de um caminho estreito, seja qual for o meio utilizado. Chora porque sente dor ao respirar pela primeira vez. Sente frio. A isso se chama dar à luz.
A esse ser que ainda não expressa com clareza os próprios sentimentos, é atribuído um sexo, um nome relativo a ele e toneladas de compromissos e obrigações que serão cobrados pela vida afora. São as regras da vida.


Quando alguém decide trilhar um caminho, independente do que lhe foi imposto, diz-se que fez uma opção.
O que dizer dos demais? Que aceitaram a opção que lhes foi imposta?
É preciso pensar o aceite dessa imposição como um recalque quando se faz uma feroz oposição àqueles que ousaram optar. Que optaram por lutar contra a hipocrisia de toda uma sociedade. Que ousaram optar pela felicidade, sob que forma for.

Há dificuldade em aceitar que o diferente poderia ser o convencional, se assim tivesse sido estabelecido. Imaginemos que os “outros” é que fossem diferentes. Que a comunhão homem/mulher ferisse os padrões sociais. Que os pares fossem sempre iguais. Que a procriação devesse se dar sempre sob inseminação artificial, a partir de escolhas genéticas e não aleatoriamente como ocorre com a imensa maioria hoje.

OU

Uma sociedade onde se pudesse escolher este ou aquele parceiro, sem o peso do preconceito declarado ou velado. Que os lados masculino e feminino de uma mesma pessoa pudessem se expressar e realizar livremente. Que, então, uma infinidade de armários pudessem ser abertos e deixar livres seres que precisam se valer do anonimato e do uso dos que "optaram", para que seja mantida a fachada de uma instituição que necessita – desesperadamente - rever seus frágeis valores.

Fica a sensação de que convenções e falsas regras são criados a fim de suscitar empecilhos a uma vida mais pautada na honestidade de sentimentos.