segunda-feira, 13 de junho de 2016

ESTRANHEZA


Sandra Freire
Despertar num mundo estranho. Chegar com uma bagagem obsoleta. Entrar num jogo atualíssimo sem saber que não há mais regras. Vestir a fantasia e tentar participar de um baile de máscaras pensando conhecer os outros convidados. No fim do baile, descobrir que, o que as máscaras encobriam não eram rostos, apenas suportes para outras máscaras. Parmênides “A essência é imutável”.

Uma hibernação superior a 20 anos seja por que motivo for – casamento, moradia em lugares exóticos, estudos etc -, necessita de uma adaptação ao comportamento atual. Participar de um jogo emocional é até divertido, mas o custo ameaça ser maior do que um celular lançado à parede.

A frenética substituição dos meios de comunicação por outros mais atuais e velozes, foi deixando no esquecimento a humanização de uma carta manuscrita; o encantamento da palavra sussurrada num momento de emoção; o telefone atendido – com o coração aos pinotes -, que tocava fora de hora e só podia ser...
Veio o celular, o sms, o e.mail, WhatsApp, o Face, o Messenger, as conversas em grupo, o multirelacionamento, a poliafetividade. O tempo tornou-se escasso. É preciso ter centenas de amigos e falar com todos o tempo todo.

Quanto mais mecanismos de interação, maior o afastamento e a solidão.
 Mesmo os que se consideram contribuintes para a Contra Cultura – movimento que revolucionou os costumes na década 1960 -, encarar a era em que a tecnologia, antes de substituir o homem, já dita seu comportamento e direciona seus sentimentos - transformando-o num ser histriônico -, requer a escolha entre a sanidade e a distopia.

A sinceridade vem sendo substituída pela sutileza. Segundo Mathias Aires – primeiro filósofo brasileiro, nascido há 300 anos -, a malícia é sutil, a sinceridade é simples, grosseira e inocente.

O século XX foi o das conquistas sociais. A tão sonhada liberdade de contestar, denunciar, reagir, se relacionar sem engravidar, assumir publicamente uma opção sexual e tantas outras, parece ter assumido um cunho anárquico. Vivemos uma era mesmerizada pelas redes sociais; há a possibilidade de endossar várias personalidades ao mesmo tempo – a realização de um desejo comum a todos. Quantos já não se imaginaram em outra condição social, outro país ou na pele de um ídolo?

Pode-se encontrar uma mesma pessoa, em vários sites de relacionamento, com perfis variados. Antônio pode se corresponder com Ana em um site. Alice com César em outro, Maria com João num terceiro site e no fim, serem apenas duas pessoas.

Fica então a questão: se os perfis diferem, quem busca o quê?

Ainda Mathias Aires, na necessidade de entender nossa época “(...) parece que em cada um de nós tem duas vontades sempre opostas entre si; ao mesmo tempo queremos e não queremos; (...) condenamos e aprovamos; (...) buscamos e fugimos; amamos e aborrecemos”.

Ao que parece, os conflitos emocionais aí estão desde sempre. Mudaram as formas de relacionamento, mudou o cenário e tudo o mais relativo ao homem.


Só o homem ainda não foi capaz de mudar.