Sandra Freire
Despertar num mundo
estranho. Chegar com uma bagagem obsoleta. Entrar num jogo atualíssimo sem
saber que não há mais regras. Vestir a fantasia e tentar participar de um baile
de máscaras pensando conhecer os outros convidados. No fim do baile, descobrir
que, o que as máscaras encobriam não eram rostos, apenas suportes para outras
máscaras. Parmênides “A essência é imutável”.
Uma hibernação superior a 20 anos seja por que motivo for –
casamento, moradia em lugares exóticos, estudos etc -, necessita de uma
adaptação ao comportamento atual. Participar de um jogo emocional é até
divertido, mas o custo ameaça ser maior do que um celular lançado à parede.
A frenética substituição dos meios de comunicação por outros
mais atuais e velozes, foi deixando no esquecimento a humanização de uma carta
manuscrita; o encantamento da palavra sussurrada num momento de emoção; o
telefone atendido – com o coração aos pinotes -, que tocava fora de hora e só
podia ser...
Veio o celular, o sms, o e.mail, WhatsApp, o Face, o
Messenger, as conversas em grupo, o multirelacionamento, a poliafetividade. O
tempo tornou-se escasso. É preciso ter centenas de amigos e falar com todos o
tempo todo.
Quanto mais mecanismos de interação, maior o afastamento e a
solidão.
Mesmo os que se
consideram contribuintes para a Contra Cultura – movimento que revolucionou os
costumes na década 1960 -, encarar a era em que a tecnologia, antes de
substituir o homem, já dita seu comportamento e direciona seus sentimentos - transformando-o
num ser histriônico -, requer a escolha entre a sanidade e a distopia.
A sinceridade vem sendo substituída pela sutileza. Segundo
Mathias Aires – primeiro filósofo brasileiro, nascido há 300 anos -, a malícia
é sutil, a sinceridade é simples, grosseira e inocente.
O século XX foi o das conquistas sociais. A tão sonhada
liberdade de contestar, denunciar, reagir, se relacionar sem engravidar,
assumir publicamente uma opção sexual e tantas outras, parece ter assumido um
cunho anárquico. Vivemos uma era mesmerizada pelas redes sociais; há a
possibilidade de endossar várias personalidades ao mesmo tempo – a realização
de um desejo comum a todos. Quantos já não se imaginaram em outra condição
social, outro país ou na pele de um ídolo?
Pode-se encontrar uma mesma pessoa, em vários sites de
relacionamento, com perfis variados. Antônio pode se corresponder com Ana em um
site. Alice com César em outro, Maria com João num terceiro site e no fim,
serem apenas duas pessoas.
Fica então a questão: se os perfis diferem, quem busca o quê?
Ainda Mathias Aires, na necessidade de entender nossa época
“(...) parece que em cada um de nós tem duas vontades sempre opostas entre si;
ao mesmo tempo queremos e não queremos; (...) condenamos e aprovamos; (...)
buscamos e fugimos; amamos e aborrecemos”.
Ao que
parece, os conflitos emocionais aí estão desde sempre. Mudaram as formas de
relacionamento, mudou o cenário e tudo o mais relativo ao homem.
Só o homem
ainda não foi capaz de mudar.