terça-feira, 30 de junho de 2015

O TREM

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“Se nós pudéssemos vender nossas experiências pelo que elas nos custaram, seríamos todos milionários.”

     Abigail Van Buren                           





Sandra Freire
O que nos acontece é de nossa responsabilidade, pura e simples. Mesmo assim, teimamos em culpar o(s) outro(s). É mais fácil aceitar que, SE não fosse... SE, a situação tivesse permitido...  SE, desse para imaginar... Ele (a) precisava tanto de mim naquele momento! Eu não podia pensar SÓ em mim, blá, blá, blá... Mesmo com o calor da convivência diminuindo, nosso olhar se perdendo em reflexões inconfessáveis, insistimos em não chutar a bola que está aos nossos pés.

Até que, um dia qualquer, quando o trem com os nossos sonhos faz a curva no infinito, o “outro”, sem SE, lhe comunica que está indo. E, como ninguém sai com a mesma simplicidade com que entrou, inclui uns poucos e frágeis argumentos. Desnecessários por sinal. Simples palavras ao vento.

Quando alguém anuncia que está indo, é porque, na verdade, já foi. Não vimos. Não quisemos ver.
 É como uma casa que vai se esvaziando gradativamente. Tira-se primeiro o que é mais antigo e está fora de uso, como as confidências. Depois, o que se está usando menos, como a alegria da intimidade. A seguir, os objetos excedentes, como a ansiedade pelo reencontro diário. Mas, quando o coração não mais se acelera, é porque todos os móveis já se foram e só o eco do arrependimento nos faz companhia.

Mas, estava tudo lá. Os dependentes crescendo e se tornando autônomos. Seres únicos, como todos, soltando as amarras e seguindo seu próprio caminho. A convivência com o(s) outro(s), cada vez mais burocrática. Assuntos gerais, comentários sobre o dia de cada um, obrigações cumpridas- leia-se cinema, teatro, amigos, casamentos, jantar fora etc. Com o tempero da indiferença, o corpo presente, a cabeça ausente.

E, nosso trem passando. Deslizando suavemente nos trilhos, sem barulho, levando consigo uma carga tão preciosa que, guardada no seu interior de aço, só pode ser liberada com a chave da consciência que nosso egocentrismo não nos permite ver. Que não somos tão importantes assim. Que, quando nos formos, a roda que faz o mundo girar, não perderá um único dente e cada um seguirá seu próprio destino.

Então, nos deparamos com os trilhos vazios, refletindo a luz dos sonhos que se distanciam e ameaçam desaparecer num lugar qualquer, aonde a esperança não mais alcança. Só a fumaça fazendo a ligação entre nós.

Para que um novo final seja escrito, precisamos tão somente não permanecer parados na plataforma. Temos de alcançar o estribo do trem que passa, adentrá-lo - mesmo em movimento –e seguir viagem. Não importa aonde ele vai, ele É o nosso trem. Seu destino é onde queremos chegar.
Para isso, o que vale, mais que tudo, é chegar ao fim da viagem com tempo suficiente para desfrutar o que nos aguarda.
Pois...
Também nós, na hora já marcada – desde quando chegamos -, como tantos que já se foram, com o passar do tempo, seremos apenas uma lembrança que, aos poucos, se apagará. 


domingo, 7 de junho de 2015

ESTAR SÓ SER SÓ

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“Ambos eram conscientes de serem tão diferentes, que nunca se sentiam tão sós do que quando estavam juntos.”
                                 Gabriel Garcia Marquez
S. Freire
Os limites da solidão são móveis. Nem sempre estar só, passa essa sensação. Nem sempre ser só, não passa. Estar só, vez ou outra, é necessário. Ser só... Pior de tudo, é ser só, quando  acompanhado. Estar só transparece. Pode ser um estado transitório, pode durar para sempre, mas concede o benefício da dúvida. Ser só é um estado da alma de cada um. Não dá satisfações a ninguém.

Nada errado em desejar estar só durante uma união. Seres diferentes podem se complementar, parasitar ou simplesmente coexistir, sem que nada disso represente prejuízos aos pares. Essa dita fusão de dois seres, seria uma descaracterização dos dois. Todos nós temos a necessidade de estar sós de vez em quando. De exercer nossa individualidade nos mínimos detalhes, como dormir sozinhos, ficar calados, deixar o pensamento livre para pousar ao acaso, onde lhe aprouver.

O X da questão é fazer. Atreva-se a dizer que quer dormir só, mesmo esporadicamente. Que gostaria de passar um fim de semana consigo mesmo (a). Se Permita longos silêncios, para que o pensamento vagueie aleatoriamente. Aí, você terá o mais perfeito roteiro para uma tragédia conjugal. No mínimo, um ar de desconfiança tão denso, que faria inveja a teto de aeroporto fechado para pouso da aceitação da sua privacidade e decolagem de uma coexistência baseada numa confiança que prescinde da presença física.

Algumas atividades proporcionam a um dos pares a oportunidade de se ausentar por períodos variáveis. São uniões duradouras em geral. Esse é um tempo que serve para refrigerar a relação. Tipo parágrafo num texto longo. Cada um cuida de si mesmo. Sente ou não, saudades do outro. Está só. Mas, se sente só?

A intimidade de um casal costuma ultrapassar os limites do “nós” e adentrar o “eu” do outro. Portas de banheiro são abertas, cabeças são ameaçadas de invasão ao mesmo tempo em que olhos são perscrutados em busca de contradição: “está pensando em quê (quem)”? Celulares são inspecionados, papéis lidos, cartões de crédito xeretados, roupas cheiradas etc.
 Ah, não! Tem certeza?

Tudo isso pode ser rotulado de ciúmes, insegurança, amor, preocupação com o outro e mais e mais. Também pode traduzir simplesmente a vontade de não ficar só. Há muito o “Antes só do que mal acompanhado”, foi substituído pelo “Antes mal acompanhado do que só”.


Resumo, estar só pode ser uma escolha. Ser só, uma contingência.