quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

 

FELIZ ANO NOVO

Enquanto não atravessarmos na dor de nossa própria solidão, continuaremos a nos buscar em outras metades. Para viver a dois, antes, é necessário ser um. Fernando Pessoa

Sandra Freire
Quando tudo é perfeito, procuramos a falha. A perfeição incomoda. Algo como a roupa maravilhosa que não é confortável.

Notícia boa não prende ninguém na cadeira. Tragédia dá uma audiência estrondosa.

Ao final de cada ano, as reportagens pontuam mais os piores acontecimentos, como se quase nada de bom tivesse acontecido.

Manter a audiência é preciso.

Mas, porque não cultuamos os bons acontecimentos em nossas vidas? Não precisamos de audiência!

Ou?

O encontro de um novo amigo; o superar algo que não daria mesmo certo; ver à frente uma página em branco para escrever uma nova história. Ou nada!

Entender enfim, que deixar a página em branco, sem mágoas ou expectativas, pode significar o início de uma grande história.

sexta-feira, 31 de julho de 2020

AMIGO OU CONHECIDO DE LONGA DATA



Sandra Freire
”NÃO PRECISAMOS TANTO DE AJUDA DE AMIGOS QUANTO DE A CERTEZA DE SUA AJUDA”

Qual a diferença? Abissal

Quando se está passando por um momento muito difícil
O conhecido tenta consolar com palavras vãs
O amigo abre o coração e a casa

Quando a dor é no corpo
O conhecido dá conselhos e demonstra dó
O amigo se oferece para dar o remédio e velar o seu sono

Quando a dor é na alma
O conhecido se esquiva com evasivas
O amigo oferece o ombro, o ouvido e chora junto

Quando se pensa não ter forças para continuar
O conhecido conta histórias de coragem
O amigo segura sua mão e dá a certeza de que você não está só

Quando todos os dias parecem cinzentos
O conhecido tem compromissos inadiáveis
O amigo adia os compromissos e lhe mostra o sol

Quando a cama parece o melhor lugar do mundo
O conhecido está sem tempo
O amigo abre as janelas e mostra o mundo lá fora

sexta-feira, 17 de abril de 2020

A DITADURA DA TECNOLOGIA



 Sandra Freire
Estamos sendo gradativamente escravizados pelos aparelhos eletrônicos. Estamos entregando nosso presente graciosamente. Estamos perdendo o uso de a escrita; o prazer de o encontro com amigos e parentes para trocar ideias. Estamos perdendo conquistas importantes feitas pela geração “Baby Boomers”. Tudo está se perdendo, com a nossa cumplicidade. O caminho percorrido está sendo caprichosamente apagado, ou deletado, para usar termos mais atuais. Aliás, o que será “atual” com a velocidade imposta à vida?

 O passado e os erros nele cometidos – povos apátridas vítimas de genocídio; as Guerras; o Holocausto; tentativa de extermínio de uma etnia por outra, no mesmo país, e outras barbaridades que têm ainda hoje sobreviventes. Não será esse “esquecimento” uma porta aberta a novos velhos acontecimentos? Não? O que está acontecendo neste momento no Afeganistão, Paquistão, Sudão, Myanmar...

Os Baby Boomers – geração nascida entre 1946 e 1964-, queimaram sutiãs, derrubaram preconceitos raciais, étnicos, religiosos etc, na doce ilusão de mais que liberdade, integração entre pessoas, sem barreiras de qualquer espécie. Surge aí uma mensagem que ficou gravada em nós por gerações, e hoje nada mais é do que uma linda utopia; Imagine, escrita e interpretada por John Lennon, no seu último LP. Aqueles que não souberem a quê me refiro, o Google satisfaz qualquer curiosidade em segundos.

 Deixe que sua memória continue morrendo em paz.

O prazer de um encontro casual; o calor de um abraço; o enlevo de um beijo; a segurança de as mãos dadas; o contemplar a natureza; o encantamento de uma poesia lida em conjunto e muito mais, estão confinadas no Imagine, somente para quem tem o quê lembrar.
Perder um celular é mais que perder um aparelho. Com ele se vão os contatos com outras pessoas, compromissos assumidos, agendas de telefone, endereços, amigos e nossas vidas. Ah, tem a nuvem! É fato. Podemos colocar nossa vida na “Nuvem” que ela jamais se perderá. Certeza? O que é mesmo “certeza”?

Estamos resumidos a números, o CPF e o CEP. Em qualquer estabelecimento comercial, confiável ou não, basta seu número para que sua privacidade seja invadida. Orwell e McLuhan – autores de 1984 e Teoria da Aldeia Global-, nos avisaram.

Estamos prefaciando a mais apavorante história de terror jamais escrita.

quarta-feira, 8 de abril de 2020

COM OS JOVENS TENHO APRENDIDO



Que a vida não é curta
Antes, o tempo que nos resta quando enfim compreendemos
Que perdemos tanto tempo
Cultivando mágoas
Pensando em quem não vale a pena
Não tendo vivido romances
Que nos pareceram inadequados
Que é covardia culpar o(s) outro(s)
Por não termos feito o que queríamos

Que é sábio 
Colecionar momentos
Amigos
Fazer loucuras
Amores

A vida tem me ensinado
Que para exorcizar um grande amor
Só vivendo-o
Que só devemos fidelidade a nós mesmos
Que, se ainda assim
Não somos felizes
É preciso continuar aprendendo
Pois, fugir é um lugar que não existe

quinta-feira, 2 de abril de 2020

QUANDO O OUTRO SE VAI



Não é sem aviso. Nunca. Atitudes e olhares mal interpretados. Pistas ao vento.
A impaciência com fatos recorrentes, talvez seja a primeira pista a ser seguida. O “não sei” tem um tom diferente – carrega um quê de culpa e desejo de evitar o assunto. O cansaço travestido de exaustão; aquele olhar que vai muito além de você; um sono irresistível; mas o “tiro de misericórdia” é quando seus defeitos usuais são colocados no banco dos réus, julgados e condenados como crime hediondo. A culpa de tudo é SEMPRE do outro.

E, como explicar que o outro se sinta mesmo culpado? Que comece a buscar “aonde foi que eu errei?”. Mas pode piorar: É quando o acusado começa a encontrar seus “erros” e reconhecer que é preciso mudar. Aí começa a real agonia. Essa negativa em reconhecer a finitude de a relação entre dois seres é uma doença que evolui, fazendo definhar o respeito mútuo.

Ninguém tira o outro de alguém. Simplesmente perdem-se as pessoas. Bem, é nisso que dá considerar pessoas como propriedade. Embora pessoas não sejam nossas, podem estar em nós o tempo que quisermos pois “Saudade é solidão acompanhada/é quando o amor ainda não foi embora,/mas o amado já.../Saudade é amar um passado que ainda não passou, (...) /Saudade é sentir que existe o que não existe mais...(...)” Neruda

Uma vez alguém tenha entrado em nossa vida, partilhado bons momentos e tido um papel de inegável relevância, só sairá se quisermos. É muito parecido com o que fazemos com nossos entes queridos. Mesmo depois de mortos, continuam ocupando um lugar em nós. Lançamos mão de lembranças para manter vivo quem já morreu.
Por que não fazemos o mesmo com aqueles que simplesmente se afastaram?

 Lembranças podem ser escolhidas, realidade não.




sábado, 28 de março de 2020

CONFINAMENTO



É a ficção se tornando realidade. O inimaginável convivendo intimamente com cada um de nós. Temos tempo para tudo, mas nada podemos fazer.
Estamos diante de um dos momentos mais importantes de nossas vidas. Talvez, para a maioria, não surja outro igual. Talvez, a maioria nem se aperceba ainda o quanto de nosso interior está para emergir. São lembranças de tempos felizes, pessoas queridas, lugares que serão revisitados em fotos e ou memória.
Decisões importantes serão tomadas nesse período. Convivências serão analisadas e reavaliadas. Tantas decisões têm sido adiadas, simplesmente porque não temos noção de tempo. Temos adiado a convivência com amigos e familiares; uma pequena viagem; uma visita; um encontro para um café ou um passeio num parque.
Temos avaliado as pessoas pelo ter. Queremos ser amados por quem for inteligente, bem sucedido, bem vestido e frequente bons lugares.
O hedonismo tem feito parte de nossas vidas há tanto tempo que respostas imediatas são indispensáveis.
Afinal, não temos tempo!
Não?
Os restaurantes estão fechados, as lojas também. As salas de reunião estão vazias. As domésticas não podem vir; os banheiros precisam ser lavados, as roupas idem etc...
Somente agora poderemos avaliar o quê tem estado confinado em nós.
Quem sabe a importância que não temos dado a quem tem sido importante no nosso dia a dia; a presença invisível de os que fazem a nossa rotina possível; a não atenção ao carinho demonstrado pelos que parecem inferiores e mais e mais.
Até onde nossa seletiva memória permitirá que esse período seja lembrado como trágico e, ao mesmo tempo, revelador?


segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

TECNOLOGIA


A comunicação está também ao nosso desserviço. Enquanto a tecnologia cresce, o ser humano encolhe.  Tudo é descartável. Lembranças vão sendo gradativamente eliminadas em limpezas de armários; fotos, mensagens e outras preciosidades se perdem em computadores danificados .É a memória dele. E a nossa?

A primeira foto, no início do século XIX, ainda existe. Há 190 anos. De milhares que você tem tirado desde que o fotografar/deletar, disponível há menos de 20 anos nos celulares, quantas ainda estão guardadas? Já foi feita uma seleção? Quantos sentam ao computador para curtir momentos registrados virtualmente? Se a fotografia tivesse nascido digital, o que teria sido feito das lembranças de uma época em que só existiam pinturas, esculturas e desenhos como registro visual?
Estamos deixando de nos mover. O controle remoto nos mantém na cadeira. Até latas de lixo são abertas através de células fotoelétricas. Aparelhos desligam pelo do timer. Carros já há muito são controlados eletronicamente. Comandos são mais importantes que chaves.

Apagão

Celulares programam com eficiência os nossos compromissos. E avisam. A memória não é mais requisitada para tarefas simples como registrar um número de telefone. Basta abrir um aplicativo que está tudo lá. Numa fração de segundo o Google fornece milhares de informações sobre o assunto pesquisado. Livros são “baixados” em aparelhos levíssimos. Dicionários são visualizados em um clique. Tudo pode ser esquecido em casa, menos eles, os eletrônicos.
As mesmas mãos que antes se acariciavam e entrelaçavam nas do parceiro, agora estão sempre ocupadas “neles”. Diálogos são substituídos por elementos de comunicação cada vez mais rápidos. Copiar e colar. Vc, Tb, Tc, Rs, KKKK, substituem a norma culta. O importante é saber ler. Escrever, não.

A comunicação ficou mais rápida e eficiente
Já não é mais necessário saber ortografia. É só colocar as primeiras letras e o resto da palavra aparece. Como? É preciso lembrar que “alguém” a pôs lá. Como será no futuro quando esses “alguéns” forem morrendo? É assustador imaginar que a ortografia ficará nas mãos daqueles que esperam que as palavras sejam completadas eletronicamente.

NÃO CAIA NA REDE


Sandra Freire
Viver em um mundo que não é o nosso pode ser complicado. Entendê-lo então! Aonde está o meu mundo? A paquera, as noites olhando para o telefone esperando que ele tocasse? Aquele olho-no-olho que transmitia um calor ao corpo inteiro. O silêncio que valia mais que mil palavras; a paradinha de fração de segundo dada pelo coração para comunicar “encontrei!”. E na rede? E no Face, especificamente? Nos sites de namoro?

Muito se tem tratado sobre os relacionamentos nas redes sociais. Para alguns filósofos, a rede aumentou a solidão dos que nela buscam parceiros sentimentais. A insatisfação de as relações, iniciadas virtualmente, se deve ao fato de que “falta algo” no outro. Mas também pode ser que sobre algo, tipo abundância de oferta, como mercadoria exposta – popular açougue. É a caça se oferecendo ao caçador.

Historicamente, a caçada sempre proporcionou uma emoção difícil de explicar. Caçadores de animais prendem a respiração para sentir o movimento, sutilíssimo, de a caça. A caça, ao pressentir o caçador, desprende um odor que faz com que a adrenalina cause no caçador um calor intenso, mesmo em temperaturas negativas. São emoções intensas – na caça, com a proximidade da morte; no caçador, de a captura.

 Que foi feito de o frisson que um único e certeiro tiro proporcionava?
O caçador está se sentindo ameaçado. O ser preconceituoso, que habita no macho da espécie, é tão primitivo em suas reações que sequer as submete à luz da razão. Tudo mudou. Mesmo seu comportamento tendo se adaptado a este mundo líquido, onde nada dura, onde tudo escorre e se transforma - como descreve de forma inquietante o sociólogo Z. Bauman-, a sensação de insatisfação é constante.

Para simples observadores, desde os mais vividos até os menos experientes, o sucesso de os relacionamentos está mais propenso a uma determinada faixa etária, jovem, cuca fresca, sem grandes pretensões e com tempo suficiente para ir levando... Segundo o filósofo Pondé, até os 20 anos, o internauta não tem o foco específico no encontro de outro; já o enfoque de o internauta de faixa etária mais alta tende à perversidade. Pior, quanto maior a faixa etária do internauta, isso só se exacerba. É nessa faixa que se encontram as maiores perversões na rede.

A emoção do encontro é inesperada. A busca, infrutífera. Ele, o encontro, está de tocaia, em algum lugar, e lhe encontrará, porque não quer ser achado. Se, é fato que a realidade precede a ficção, já não há dúvidas de a fonte de inspiração de tantos romances que, que há séculos, encantam mentes sonhadoras, seja a vida, pura e simplesmente a vida.

Segundo a teoria existencialista de Sartre, somos obrigados a ser livres, (...) Assim sendo, nada pode determinar as decisões que tomamos, e tudo o que acontece em nossa vida é proveniente do passado e das escolhas que fizemos nele.

sábado, 4 de janeiro de 2020


FEMINICÍDIO

“Não desejo que as mulheres tenham poder sobre os homens, mas sobre si mesmas”.
Soror Juana Inês de La Cruz (Séc. XVII)

O que nós, mulheres, podemos ainda fazer para evitar tal crime? Pouco, mas ao alcance de todas.
Comecemos por não nos iludir com discurso macio; frases de efeito – tudo me lembra você; sonhei com você, blá blá blá...

Gentilezas com flores, escritos em guardanapos, mensagens no meio da noite – pensando em você. Sermos pegadas e levadas em casa; portas abertas e cadeiras puxadas.
Bom demais! Demais mesmo, principalmente quando esse ser perfeito – em geral, surgido do nada, sem referências confiáveis -, está sobrando. Será?
Convenhamos!  Uma vez postas as qualidades, passemos aos defeitos. Esse cinquentão, sessentão ou em torno de uma idade que traz junto uma ou mais ex; filho(s), neto(s); uma vida estável, pode até vir sem cavalo branco.

A questão é: Como desconfiar de algo tão maravilhoso? É claro que o problema é dela, a EX. Ele, carente, maravilhoso, estava desejando e esperando exatamente por VOCÊ; é a suprema felicidade!
Quem, em sã consciência, pediria o Atestado de Antecedentes do moço? Para quê? Afinal, quem o apresentou afirma que é excelente pessoa – de homem para homem, em geral, são.
O tal atestado quando não pedido de início, com o passar do tempo, torna-se uma inquietação – se ele souber pode abalar o maravilhoso relacionamento.

A questão é que mais do que sabido, e ignorado, é que o espancador, assassino e algoz psicológico de mulheres é reincidente.
As denúncias, cada vez mais incentivadas, servem não só para inibir essas ações e prevenir possíveis futuras vítimas.

Há que se lançar mão de tão valioso instrumento de defesa e prevenção, sem reservas.
A intensidade de a dor de tal descoberta é diretamente proporcional ao tempo de adiamento de o pedido.  Com dados na internet, cerca de 70% de feminicidas no DF são reincidentes.
É hora de diálogo aberto. Vamos prestigiar um trabalho sério e árduo de as delegacias de mulheres, evitando sobrecarregá-los com algo evitável.

Vamos continuar acreditando em “Comigo vai ser diferente”? Ele prometeu que vai mudar; chegou a jurar entre lágrimas que a culpa foi “dela”. Ele foi provocado; ficou com ciúmes; jamais faria isso; foi só para assustá-la... Feminicidas se enquadram aí.

É bom lembrar que eles, muitas vezes, fazem parte de uma família, que geralmente omitem seus problemas esperando que uma boa moça opere o milagre de reabilitá-los.
Prestar atenção aos detalhes de comportamento pode ajudar bastante. Se fala muito mal da ex, cuidado, você pode ser a próxima. Te respeita em público? É coerente nos relatos? Mente? Lida bem com contrariedades? Perde a calma com facilidade? Assume ter errado?

Com o passar do tempo e o aumento de intimidade, defeitos tendem a se agigantar.

A tela é negra, sem dúvida. Mas, relembrando um pensador notável, Dr. Flávio Gikovate, para se ligar em alguém, com real senso crítico, é preciso antes de tudo aprender a estar só. E bem!
Quem tem amigos, gosta de cinema, lê, curte a família e se dedica ao que faz nunca se sente só. Aliás, antes só..., era o que se preferia ao mal acompanhado. Mas, a tal da carência afetiva, principalmente a partir de certa fase da vida, inverteu a ordem desse ditado.

Imagine um bom filme ou livro; organizar aquelas fotos antigas; falar com algum amigo ao telefone sem pressa; apagar a luz e dormir com a cabeça desocupada de “Será que ainda vai ligar”? Por que não ligou?

Fica a sugestão: Nada melhor do que sentir-se livre; disponível para o que der e vier, exercitando a observação, criteriosamente, sem concessões.

 Tudo isso, para errar menos.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

NADA MAIS BELO


NADA MAIS BELO

Que a experiência não vivida

Que a flor que não abriu

Que a música interrompida

Que a festa perdida

Que o lugar não visto

Que o sonho não realizado

Que o livro não escrito

Que as palavras não ditas

NADA MAIS TRISTE

Quando não há mais o que sonhar

Que o que se foi logo ao chegar

Que a morte da flor logo após florescer

Que a musica não esquecida

Que a festa quando acaba

Que o lugar que não existe mais

Que o livro em branco

Por não ter o quê escrever