sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

UM NOVO ANO

Publicado no JG Jornal de Gramado em 12/01/2016

“A vida é breve. Mas cabe nela muito mais do que somos capazes de viver."
                                                                                             Jose Saramago
Sandra Freire
Ano que vai. Ano que vem. Desejos irrealizados. Sonhos futuros. Promessas não cumpridas, mas renovadas. Hora de repensar o que foi alcançado. O que não tem sido. Desejar até o improvável, nunca o impossível. Entre o querer e o poder, a distância pode ser muito grande. Buscar ou esperar. O sonho pode se tornar realidade se os ingredientes utilizados forem reais. Não delegar a outrem a responsabilidade de suas realizações.

O ano que se vai leva consigo alegrias, tristezas, perdas, ganhos e vidas. Vidas bem vividas.  Vidas desperdiçadas. Tempo que se foi para sempre. O tempo não se renova, apenas passa. Não virá um novo tempo, tão somente mais tempo. Certeza de que ainda há tempo.
O ano que termina sempre deixa muito por acabar. Muito por iniciar. O ano que começa promete mais do que pode realizar. A promessa não tem limites. Conta com o tempo para se eternizar. A inércia é a droga que vicia. O prazer é perverso. A felicidade é efêmera. O necessário para a cura causa perdas irreparáveis.
Resgate é o que se prometem todos. Desta vez, tudo será diferente. Talvez seja desde que se contribua para isso. Sonhos podem se transformar em realidade, se o árduo caminho até ele for percorrido, apesar dos empecilhos. Se preciso sangrar os pés, calejar as mãos, fazer arder os olhos, fechar o coração, mas perseverar. O que cai do céu é chuva.

Com o passar do tempo, é preciso adaptar o sonho à realidade. Crianças, adolescentes, adultos e velhos têm sonhos diferentes. Sonhar o possível dentro de sua faixa é sensatez. Sonhar fora é querer continuar sonhando.

Olhar-se sem reservas, avaliar suas reais possibilidades. Pôr-se nu, sem pejo. Tentar. Não temer errar, sofrer, perder. Aqueles que se foram levaram seus sonhos, desejos, promessas, esperanças e o tempo que pensavam que lhes restava. Aonde foram os sonhos dos que não estão mais aqui? Ainda estarão por aí?
Sonhos são imagens construídas e visualizadas pelos que as concebem. Projetar o futuro é sonhar. Se preparar para uma nova vida, é sonhar com os pés no chão. Desejar entrar no sonho é insensatez. O espaço está repleto de imagens que representam os sonhos de cada um. Sonhos, por vezes, se chocam, se complementam sem se misturar, ou se repelem. Para viver o que foi idealizado, só através de um trabalho solitário.

Há sonhos que vagam e vão perdendo a nitidez, deixando a sensação dolorida de saudade do que nunca existiu - e dói bastante, segundo Drummond. Outros se apagam ao colidirem com obstáculos.
Obstáculos não faltam nessa caminhada. Prejuízos também. O preço, sempre alto demais. É preciso critério com o que se quer. O sonho, por estar acima da realidade, só pode ser alcançado superando degraus feitos de abnegação, sentimentos, pureza e doação.
 Abaixo, pessoas que ficam pelo caminho.

Sonho e felicidade, água e óleo?

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

A Festa

Publicado no JG Jornal de Gramado em 5/1/2016

“É proibido (...) não compreender que o que a vida te dá, também te tira.”
                                                                                                       Pablo Neruda
Sandra Freire
O início da festa recebe jovens alegres, barulhentos, coloridos. À medida que avança, após alguns drinques, ela chega ao auge. A música alta abafa as conversas. A pista se enche de pessoas que se movimentam no desejo de eternizar aquele momento. Com o passar do tempo, o som vai baixando. O ritmo de balada vai sendo substituído pelo de ícones da geração anterior. As saias vão-se encompridando, as alcinhas desenrolam-se em pequenas mangas. Os jeans e camisetas informais dão lugar às calças e camisas sociais. O entusiasmo cede ao cansaço. Começam as despedidas.

Quando os convivas começam a chegar, trazem junto seus diários ainda vazios. Nos sorrisos que completam a indumentária, a esperança de que a festa seja pura alegria para se transformar num relato prazeroso de ser lido e relido. Um início de festa tem o brilho de o imaculado, o frescor de flores recém-cortadas e a expectativa de um grande evento.
A música ensurdecedora lhes basta. Seus sentidos, – ainda pouco exigentes - satisfeitos com o som e o toque. As lembranças, quase inexistentes, não dão margens aos diálogos sempre alimentados por opiniões conflitantes, formadas somente quando a estrada da vida começa a ser percorrida. Estrada essa ainda virgem.
O suor nos corpos rijos, leva consigo a efervescência do início da festa e começa a esfriar. A agitação vai se transformando em calmaria. Cadeiras são usadas e diálogos travados com base nas experiências adquiridas desde a chegada. Aos poucos, uma luz mais intensa vai deixando a penumbra para trás e mostra os jovens, já não tão jovens. O tom das conversas é bem diferente daquele do início. O pronome de tratamento também. O Sr. (a) vem fazer parte da cena. Quando alguém, cuja juventude está na sombra às suas costas, chama o outro de senhor (a) é uma tentativa de parecer menos velho do que ele - como se a fantasia coubesse em apenas um dos presentes.
Um tom mais sério toma conta do ambiente. Cenhos marcados, - que antes eram lisos - deixam transparecer o tempo passado desde então. Pintas e sulcos vão surgindo nos corpos antes frescos e de uma só cor. Seus olhos traem o cansaço, as alegrias, perdas, tristezas e esperanças mostrados nas já aparentes rugas de expressão. Expressão essa, intraduzível.
No correr da festa, muitos se vão. Alguns de despedem. Outros, nem tiveram tempo para tal. A sala vai se esvaziando. Objetos, palavras, insinuações, olhares, cheiros, saudades ficam no ar.
Quando o último convidado se vai, fecham-se portas e janelas, numa tentativa de impedir que com ele se vá tudo que ali foi vivido. Terá sido a festa curta ou longa demais? Cora Coralina tem a resposta:
NÃO SEI
“... Mas sei que nada do que vivemos tem sentido
Se não tocarmos o coração das pessoas
... Feliz daquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina”


sábado, 2 de janeiro de 2016

O PRESENTE

Publicado no JG Jornal de Gramado em 18/12/2016

Se quiser por à prova o caráter de um homem, dê-lhe poder
                                             Abraham Lincoln

Sandra Freire
Dia 24 de dezembro. Quase meia-noite. Olhos se voltam para o céu. Mas, o céu que lá está seria descrito de modos diversos, um para cada ser que o visse naquele momento. Pessoas e animais compartilham um espaço amplo o suficiente para abrigar todos os seus desejos. Aos poucos vai se delineando uma figura vestida de vermelho, num trenó puxado por renas e repleto de caixas. No seu suave balé pelo espaço, as caixas vão caindo, uma para cada um. E, quando ele começa a se afastar deixa pairando no ar uma nuvem branca, que simboliza o único presente que a todos parece inalcançável, PAZ.

Imagem do Google
Um presente que não tem preço. Um embrulho com uma caixa vazia pode trazer muito mais do que se desejaria ganhar. Nela cabe a alegria da cura de uma doença, o reencontro com seres amados, o abraço afetuoso dos que já se foram, o amor pelo próximo, oportunidade aos que desejam uma vida melhor. Felicidade! Venha como vier, mas que traduza o direito de receber tão somente o prometido.

Que, pessoas nas quais foram depositadas esperanças pudessem sentir que a maioria dos presentes tão ansiados por tantos, foram roubados por si. E, por isso, incontáveis famílias ficarão nesse dia com suas mesas e corações tão vazios quanto suas caixas.

Que, ao olharem para seus familiares bem vestidos, alimentados, alegres, essa imagem fosse substituída pela de outros entristecidos, famintos e desesperançados que acreditaram serem vistos além do seu voto.

Que, ao abrirem suas caixas repletas de objetos de desejos de última geração – os quais serão substituídos ou esquecidos num canto qualquer -, nelas não encontrassem prazer, mas compaixão pelos animais e pessoas que poderiam ter um destino melhor, caso sua ganância não os levasse a usurpá-los, esquecendo-se de que não terão tempo de vida suficiente para usufruir o pouco de tantos, que somado, se transforma em muito para poucos de mãos bem cuidadas, corações pétreos e consciências vazias.

Que, ao comerem e beberem mais que o necessário, pudessem ver através de seus muros bem guardados os que bem pouco ou nada têm a comemorar.

Que, ao se recolherem aos seus aposentos de lençóis caros, pudessem ver refletidos os rostos dos que estão ao relento, sabendo que seus destinos escorrem como lama em suas mãos.

Que, a dor dos que não conseguem alívio para seus males, sendo-lhes negado absolutamente tudo o que consta na Declaração Universal dos Direitos Humanos que, no dia 10 de dezembro, completou 67anos, possa conscientizá-los de que só doença e morte são altamente democratas.
Que, o verdadeiro presente aos que ignoram seus iguais, seja a certeza de que a adversidade a todos atinge. E, ter PODER sem conseguir comprar a saúde e/ou a vida para si ou um ente querido, não é PODER, é ILUSÃO.


A todos os outros, uma nova chance para aprender com os erros do passado e não mais voltar a cometê-los.