domingo, 3 de julho de 2016

O FIM DE TUDO

Publicado no JG Jornal de Gramado em 24/06/2016
Sandra Freire
Tempos líquidos. Sthendal e Bauman. Saída da bolha do passado. O que não tem preço, não existe mais. A tecnologia comanda o espetáculo. Romper com o próprio mundo, duvidar de suas certezas e adentrar ao mundo líquido descrito pelo filósofo Bauman. A morte do passado?

Não há mais tempo para a geração contra cultura acrescentar a este mundo tecnológico os ingredientes que a fizeram feliz. Melhor esquecer os bilhetinhos com mensagens manuscritas, que de tão lidos e relidos, esmaeciam as palavras, mas não as apagavam da retina. O tremor e suor de a primeira entrelaçada de mãos – tão bem descrito por Sthendal em O Vermelho e o Negro. As noites de sono perdidas após o primeiro beijo. O telefone seguidamente testado por não tocar. A semana inteira escolhendo a roupa para o programa de fim de semana. A saída no sábado configurava compromisso.

Há muito não se via – em transporte público -, tantas pessoas lendo romances, tentando fugir dessa realidade irreal onde sentimentos, opiniões, desejos, se liquefazem sem deixar vestígios. Lembranças sólidas mantêm vivas reminiscências, que este jovem mundo – hoje com 22 anos -, não tem para deixar. Tudo pode se passar sem que mãos se unam, vozes não sejam ouvidas e pessoas sequer se encontrem. Cabe todo um relacionamento no espaço do Messenger, começando com Olá, continuando através de pq, tb, fds, bjs, kkkk, rsrs etc, e terminando com um clique no Del.

Segundo o filósofo Bauman, não se suporta mais o que dura. O fim da era do indivíduo - dentre outros fatores-, a desintegração da rede social, são técnicas de poder. A busca desesperada por tomadas onde se ligar – que no futuro serão substituídas por baterias descartáveis, vendidas em todos os lugares-, assemelha o ser humano a uma toupeira eletrônica. Esse é o prenúncio de distopia para a modernidade líquida.

Para onde, então, voará o pensamento, quando quiser pousar em algo lúdico? O fim das lembranças é também o fim do passado? Antes, as pessoas “ficavam esquecidas” com o passar do tempo. Hoje, esquecem por não ter o que lembrar. Os aparelhos guardam o que antes era registrado na agenda e retido na memória, após várias visualizações. Os remanescentes, como Beatles e outros, são lembranças de outro mundo.

Senhas são detestadas. Mas, são remanescentes que ainda estimulam a memória, se não for aceita a sugestão “quer que esta senha seja lembrada?”. Perigo, perigo, perigo – R2D2 de Guerra na Estrelas. Lembra??? Pela vida da memória, melhor agarrar-se a elas – as senhas!

O gosto de coisas simples como requeijão, goiabada, um bom queijo de Minas, está sendo substituído pelo sabor de nada. Quando o último afortunado – que se deleitou com sabores hoje inexistentes - se for, o “gosto de nada” será aceito como se tivesse sido sempre assim. Mesmo para lembrar o que ficou em algum lugar no passado, antes, é preciso conhecer o significado de “passado”.


 O presente escorre no presente e não se tornará passado. Amanhã não será futuro, apenas, outro presente.