Publicado no JG Jornal de Gramado em 24/06/2016
Sandra Freire
Tempos líquidos. Sthendal e Bauman. Saída da bolha do passado. O que não tem preço, não existe
mais. A tecnologia comanda o espetáculo. Romper com o próprio mundo, duvidar de
suas certezas e adentrar ao mundo líquido descrito pelo filósofo Bauman. A morte do passado?
Não há mais tempo para a geração contra cultura acrescentar a
este mundo tecnológico os ingredientes que a fizeram feliz. Melhor esquecer os
bilhetinhos com mensagens manuscritas, que de tão lidos e relidos, esmaeciam as
palavras, mas não as apagavam da retina. O tremor e suor de a primeira
entrelaçada de mãos – tão bem descrito por Sthendal
em O Vermelho e o Negro. As noites de sono perdidas após o primeiro beijo. O
telefone seguidamente testado por não tocar. A semana inteira escolhendo a
roupa para o programa de fim de semana. A saída no sábado configurava
compromisso.
Há muito não se via – em transporte público -, tantas pessoas
lendo romances, tentando fugir dessa realidade irreal onde sentimentos,
opiniões, desejos, se liquefazem sem deixar vestígios. Lembranças sólidas
mantêm vivas reminiscências, que este jovem mundo – hoje com 22 anos -, não tem
para deixar. Tudo pode se passar sem que mãos se unam, vozes não sejam ouvidas
e pessoas sequer se encontrem. Cabe todo um relacionamento no espaço do
Messenger, começando com Olá, continuando através de pq, tb, fds, bjs, kkkk,
rsrs etc, e terminando com um clique no Del.
Segundo o filósofo Bauman,
não se suporta mais o que dura. O fim da era do indivíduo - dentre outros
fatores-, a desintegração da rede social, são técnicas de poder. A busca
desesperada por tomadas onde se ligar – que no futuro serão substituídas por baterias
descartáveis, vendidas em todos os lugares-, assemelha o ser humano a uma
toupeira eletrônica. Esse é o prenúncio de distopia para a modernidade líquida.
Para onde, então, voará o pensamento, quando quiser pousar em
algo lúdico? O fim das lembranças é também o fim do passado? Antes, as pessoas
“ficavam esquecidas” com o passar do tempo. Hoje, esquecem por não ter o que
lembrar. Os aparelhos guardam o que antes era registrado na agenda e retido na
memória, após várias visualizações. Os remanescentes, como Beatles e outros,
são lembranças de outro mundo.
Senhas são detestadas. Mas, são remanescentes que ainda
estimulam a memória, se não for aceita a sugestão “quer que esta senha seja
lembrada?”. Perigo, perigo, perigo – R2D2 de Guerra na Estrelas. Lembra??? Pela
vida da memória, melhor agarrar-se a elas – as senhas!
O gosto de coisas simples como requeijão, goiabada, um bom
queijo de Minas, está sendo substituído pelo sabor de nada. Quando o último
afortunado – que se deleitou com sabores hoje inexistentes - se for, o “gosto
de nada” será aceito como se tivesse sido sempre assim. Mesmo para lembrar o
que ficou em algum lugar no passado, antes, é preciso conhecer o significado de
“passado”.
O presente escorre no
presente e não se tornará passado. Amanhã não será futuro, apenas, outro
presente.