“Não
te beijo e tenho ensejo/Para um beijo te roubar;/O beijo mata o desejo/E eu
quero-te desejar.”
António Fernandes Aleixo
Sandra Freire
Delegamos a outrem a imensa
responsabilidade de sermos felizes. Sonhamos, buscamos, esperamos por alguém para
quem sejamos o universo. Não queremos menos, queremos ser o “tudo” para alguém.
E esse alguém tem de preencher todas as nossas lacunas, aceitar nossas
imperfeições, nos amar incondicionalmente. Queremos seus olhos só para nós e em
suas palavras, só elogios. Queremos o amor pleno, o sexo perfeito, mãos
trêmulas ao nos tocar. Sem esse outro, não somos capazes de ser felizes. Somos
incompletos, nos falta o outro como se nos faltasse uma parte do corpo.
Sequer vemos a natureza com as
mesmas cores de quando estamos apaixonados. A simples ilusão de ter encontrado
a “outra metade”, faz com que o verde da paisagem, as flores, a música, sejam
diferentes do que sempre foram. A vida adquire novo brilho, mais vivo. O que
sempre esteve ali parece ter sido recriado para o nosso deslumbre.
Queremos, queremos queremos...
O que fazemos para ter, se nem ao
menos sabemos reconhecer o que a vida nos dá? Se temos isso, queremos aquilo.
Quando temos aquilo, queremos aqueloutro.
O que queremos da vida? Tudo o
que ela nos deu, enquanto buscávamos longe o que estava tão perto.
Queremos tão somente querer.
Desejo e felicidade não andam juntos. Desejamos ter para alcançar a felicidade.
Quando temos desprezamos, para continuar buscando. O desejo é cobiça. Nesse percurso
de busca, encontro e descarte, Rubem Alves nos chama a atenção para “A
felicidade é simples. Às vezes, sequer a vemos passar, tal a sua simplicidade”